sexta-feira, 17 de julho de 2020

DENSIDADE NA CIDADE PÓS PANDEMIA.

A associação entre densidade urbana e risco de contaminação na pandemia resultaria, segundo alguns analistas, na retomada da tendência à maior suburbanização e dispersão urbana e ao retrocesso no estímulo às cidades mais compactas e densas. Esse tipo de análise que revive ideias sanitaristas do final do Sec. XIX e início do Sec. XX, contudo, tem sido contestada por outro grupo de analistas do processo urbano.
Sennett (2020) argumenta que a pandemia desafia os urbanistas a repensar “novas configurações de densidade que permitiriam às pessoas se comunicar, ver seus vizinhos, participar da vida urbana, mesmo que elas devam temporariamente se manter distantes umas das outras”. Admite, porém, que a densidade é a lógica das cidades, pois é pela concentração de atividades e pessoas que um mundo cada vez mais urbanizado se desenvolve. Além disso, aponta para a contradição entre a desejada “cidade saudável”, de padrão europeu, na qual os moradores poderiam se deslocar “em quinze minutos” a pé ou de bicicleta para pequenos polos densos de atividades e a cidade desigual dos países pobres em desenvolvimento social, na qual os trabalhadores são obrigados a se deslocar para suas moradias de periferia em transporte de massa superlotados.
Lapouge (2020) relaciona a rápida propagação do vírus às grandes cidades e seus “enormes edifícios sujos e degradantes nos quais proliferam os traficantes de drogas, os bandidos, os que põem fogo nos carros, as crianças tristes”. Ele defende e enaltece os ideais sanitaristas, o modelo da cidade jardim, bem como esteriotipiza e demoniza as metrópoles como locais propícios às pandemias. Sua visão se inspira em ideais que remontam aos socialistas utópicos (Fourier, Owen, Considerant) e que resultaram em modelos de cidade assépticas, mas também pouco urbanas, pouco humanas e autoritárias.
Já Rolnik (2020) alerta para uma importante diferenciação que deve ser feita entre densidade construtiva e densidade domiciliar. A primeira relaciona-se com a quantidade de metros quadrados construídos por unidade de terreno e é mais alta, em geral, em áreas que concentram edifícios altos e altas taxas de construção. Já a densidade domiciliar é a quantidade de pessoas concentradas em um mesmo domicílio, que se associa diretamente à densidade demográfica, mas tem consequências muito diferentes quando se analisa a propagação de epidemias. Assim, áreas urbanas com grande quantidade de arranha-céus, inclusive residenciais, como Manhattan, tiveram menor incidência da Covid-19 do que em bairros periféricos, com edifícios mais baixos, mas altas taxas de densidade domiciliar (mais gente morando em uma mesma residência, o chamado “overcrowding”) e demográfica na cidade de Nova York.
A associação entre densidade e propagação de epidemias também deve ser melhor analisada quando se constata que em cidades densamente ocupadas, como Hong Kong, Seul e Singapura, houve melhor controle na propagação da Covid-19 do que em cidades pequenas e pouco densas, como algumas nos estados da Georgia e Louisiana no EUA, por exemplo (Kling, 2020).
O argumento de que as cidades devem ter mais áreas verdes e menos edifícios também carece de melhor fundamentação e remonta aos defensores do “embelezamento urbano” (City Beautiful) que a partir das reformas do Barão de Haussmann em Paris (1851-1870) promoveram reformas urbanas mundo afora que resultam em destruição de porções centrais das cidades para o alargamento de vias e criação de boulevares e grandes parques urbanos. Essas grandes reformas urbanas, contudo, não resultaram em uma cidade mais saudável, no seu conjunto, e nem resolveram os problemas da pobreza e insalubridade, mas os transferiram para as periferias pobres das cidades.
Não creio que deve haver uma oposição entre maior densidade ou mais espaços verdes, como parques. As duas coisas podem e devem conviver bem. O sanitarismo foi importante por promover saneamento e aumento do percentual de áreas verdes nas cidades e a atenção ao conforto ambiental (ventilação, iluminação) nas moradias. Mas existem cada vez mais evidências que cidades mais densas e diversas são melhores lugares para viver e mais preparadas para enfrentar os desafios urbanos, entre os quais se adiciona agora a convivência com as pandemias.
Olhando pela vertente econômica, o maior aproveitamento construtivo dos terrenos centrais e a redução progressiva da área construída dos espaços residenciais, que resultam em maior densidades, são consequências do aumento do valor da terra urbana. Portanto, movimentos no sentido de menor densificação das cidades encontrariam resistências de empreendedores imobiliários, embora a expansão urbana dispersa também faça parte das estratégias para o aumento progressivo da renda urbana da terra.
Já pela ótica do consumidor, querer viver em áreas centrais e em espaços cada vez menores com uso mais intenso dos espaços públicos são consequências da redução progressiva das taxas de crescimento demográfico e da tendência de morar sozinho ou em casal, no máximo. Para essa classe de cidadão interessa uma cidade mais densa e com maior vitalidade cultural. Contudo, a ocorrência de situações de confinamento mais frequentes, obrigando a permanência prolongada em espaços exíguos, e a exigência de distanciamento social nos espaços públicos devem trazer novos elementos de reorientação das preferências imobiliárias com consequências em cadeia na dinâmica urbana.

KLING, Samuel. Is the City Itself the Problem? Publicado em 20/04/2020 no portal CityLab. Disponível em https://www.bloomberg.com/news/articles/2020-04-20/the-long-history-of-demonizing-urban-density
LAPOUGE, Gilles. Reinventar as cidades. Publicado no jornal “O Estado de São Paulo” em 15/5/20 no portal Terra. Disponível em https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/saude/reinventar-as-cidades,10b52d71fc75763d18452549f90f4dffb4t7ykmf.html
ROLNIK, Raquel. Como a densidade das cidades se relaciona com a difusão da pandemia? Publicado em 25/06/20 no portal “A Cidade é nossa”. Disponível em https://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/06/25/como-a-densidade-das-cidades-se-relaciona-a-pandemia/?
SENNETT, Richard. As cidades na pandemia. Publicado originalmente em 24/03/2020 no portal Newcities.org com o título “The State of Exception Becomes the Norm”. Versão traduzida para o português disponível em http://agbcampinas.com.br/site/2020/richard-sennett-as-cidades-na-pandemia/
Nota: essa breve reflexão foi inspirada pela conversa entre amigos do Grupo de Estudos “Construção Geográfica do Espaço”, coordenado pelo Prof. Aldo Paviani, da qual participaram também Alexandre Brandão, Benny Schvasberg e Sergio Magno Souza
Sérgio Jatobá
Luiz Philippe Torelly, Valéria Nunes e outras 11 pessoas
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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Novos Bairros Além das Portas de Paris

Resumo (Abstract): A cidade “luz” abriga periferias pobres, degradadas e pouco “iluminadas”. O Projeto “Grand Paris” tem promovido transformações urbanas em algumas dessas áreas periféricas (Clichy Batignolles), enquanto outras ainda permanecem marginalizadas (Saint-Ouen). The “city of lights" has “darkness” poor and degraded peripheral neighborhoods. The project "Grand Paris" is promoting urban transformations in some of these outlying areas (Clichy Batignolles), while others remains marginalized (Saint- Ouen). La ciudad de las luces tiene barrios pobres, degradados y poco “iluminados”. El proyecto "Grand Paris" ha promovido transformaciones urbanas en algunas de estas áreas periféricas (Clichy Batignolles ) , mientras otras todavía siguen marginadas (Saint- Ouen).
Há mais de uma Paris, além da cidade luz que os cartões postais mostram. Em setembro de 2015, visitei pelo menos três “cidades” diferentes no perímetro da “Grande Paris”. A primeira foi a Paris dos arrondissements centrais, de qualidades urbanas já bem conhecidas e sobre a qual não caberão maiores comentários nesse texto. As outras duas estão localizadas na Paris menos "iluminada", na qual poucos visitantes e mesmo parisienses se aventuram, e são bem diferentes da Paris turística. É a dos bairros periféricos, situados para além das “Portes” de Paris, fora do anel viário definido pelo traçado das antigas muralhas da cidade.
Fui a um desses bairros, Saint-Ouen, em busca do famoso Mercado das Pulgas, local de comércio de antiguidades. Saint-Ouen, que pertence ao departamento Seine-Saint-Denis, está localizado na periferia norte de Paris, nos limites do 17º e do 18º arrondissements. É a maior concentração proporcional de imigrantes em uma localidade francesa. Tem a mais elevada taxa de mortalidade infantil (5,7%), a população mais jovem (14% entre 14 e 24 anos) e uma das mais altas taxas de desemprego na França, que chegou a 43% entre os jovens em 2011(1). Nas suas ruas sujas e sem glamour não se vê brasseires nem boutiques luxuosas. É um local inseguro, com ocorrências de muitos roubos, tráfico de drogas, crimes e a tipologia urbana e arquitetônica não é a da Paris do Champs Elyseès, do Marais ou do Quartier Latin. A predominância é de conjuntos habitacionais populares construídos nas décadas de 1960 e 1970. Em suma, uma Paris com cara de terceiro mundo, onde os descolados mercados de antiguidades são enclaves cult, escondidos em meio a centenas de barracas e lojas populares que mais parecem a região do Saara no Rio de Janeiro.
Mas há uma nova periferia, bem diversa, nascendo não muito longe de Saint-Ouen. Trata-se de Clichy Batignolles, um projeto de renovação urbana em implantação no 17º arrondissement (área noroeste da Grande Paris) com previsão de construção de 500 mil metros quadrados no entorno de um parque urbano com 10 hectares: o Parque Martin Luther King, com dois terços da sua área já concluídos em 2015. O novo bairro em implantação é vendido como o coração de um eco-distrito de uso misto que combina área residencial acessível, lojas e escritórios, com responsabilidade social e ambiental. O complexo terá 2 estações de metrô, a serem construídas na extensão da linha 14 e uma linha de tramway. Quando completo, em 2019, abrigará 3400 unidades residenciais, parte delas com destinação social para estudantes, idosos, jovens trabalhadores, como promete o release do empreendimento, e previsão final de 6500 habitantes. O gabarito da maior parte dos edifícios já construídos é de 8 a 10 pavimentos, mas está prevista a construção de um arranha-céu com 160 metros de altura com assinatura de Renzo Piano e outros prédios com mais de 50 metros de altura (aproximadamente 17/18 pavimentos).
Clichy Batignolles está em vias de obter o certificado de bairro ecológico do governo francês, em função da previsão de projetos de economia energética, eletricidade produzida por painéis solares, uso de energias renováveis, coleta de lixo automatizada à vácuo e projetos de desenvolvimento de biodoversidade. Faz parte de uma intervenção maior, o projeto “Grand Paris”, que inclui revitalização, melhorias urbanas e desenvolvimento de novas centralidades em áreas periféricas da capital francesa, inclusive Saint-Ouen.
Clichy Batignolles tem pouco em comum com Saint-Ouen, além do fato de serem periferias localizadas em um mesmo eixo de intervenção urbana. As diferenças vão da tipologia arquitetônica ao perfil dos moradores. Em Clichy Batignolles quase não se vê imigrantes, mas uma jovem classe média francesa que busca moradia com preços mais acessíveis do que os das áreas centrais, mas com qualidade urbana diferenciada. Na minha visita, em uma luminosa tarde de domingo, vi muita gente jovem, crianças e adolescentes usufruindo de lazer, esportes e atividades culturais no Parque. Em suma, um ideal de área residencial qualificada, habitada por gente que parecia feliz, empregada e sem grandes sacrifícios para sobreviver.
Clichy Batignolles e Saint-Ouen espelham realidades sociais diferentes e uma situação de desigualdade, que embora muito comum nos países em desenvolvimento, era bem mais rara em uma Europa economicamente e socialmente mais igualitária. Mas a Europa não é a mesma depois da crise de 2008 e do recebimento crescente de imigrantes e refugiados das regiões mais pobres do mundo. Nas intervenções urbanas também se notam posturas diferenciadas. Em Saint-Ouen projetos de requalificação urbana podem esbarrar em dificuldades típicas de locais submetidos a progressiva degradação física e social, com o risco de que as melhorias tenham como efeito colateral os criticados processos de gentrificação. O projeto de Clichy Batignolles, por sua vez, ocorre em uma área desativada de uma estação ferroviária, não implicando, em um primeiro momento, em desapropriações e remoção de moradores locais. Evidente que com essas características é bem mais interessante para o mercado imobiliário.
Na verdade, Clichy Batignolles é um típico “écoquartier” ou um bairro ecológico, modelo urbanístico que surge na Europa no início dos anos 2000 buscando inserir o conceito de “cidade sustentável” nos empreendimentos imobiliários. Exemplos desse tipo de bairro são Hammarby, em Estocolmo; Bo01 (Vastra Hamnen) em Malmo, Suécia; Vesterbro em Copenhagen, Dinamarca e mais recentemente o East Village em Londres, construído inicialmente para ser a vila olímpica dos jogos de 2012. É um empreendimento do tipo “ganha-ganha” que, à princípio, gera benefícios para todas as partes envolvidas: os empreendedores, que obtém terrenos a custos mais baixos do que nas áreas centrais ; o governo, que aumenta sua receita via impostos ou captura de mais valia urbana e ainda se promove politicamente; os clientes, que adquirem moradia de qualidade a preços mais acessíveis e com grande potencial de valorização imobiliária e mesmo a comunidade do entorno, que ganha espaços públicos de qualidade em substituição as áreas degradadas e sem uso de antes.
Contudo, essa equação positiva não inclui populações marginalizadas, como as de Saint-Ouen, que continuam pagando o preço da origem pobre e permanecem como pobres no país rico. Para Ribeiro (2) as mesmas cidades que promovem os ecobairros, festejados midiaticamente como empreendimentos sustentáveis e precursores de um novo urbanismo, também têm visto crescer exponencialmente o desemprego e a pobreza, como Paris. Para os habitantes de Saint-Ouen ter saído da periferia do mundo para tentar um lugar ao sol na cidade dos privilegiados ainda não resultou em melhorias efetivas no seu padrão de vida e a periferia urbana onde residem ainda mantém sua condição periférica e à margem dos benefícios que a outra periferia, de Clichy Batignolles, experimenta.
Bibliografia (1) - MOURA, Miguel. "O euro foi uma armadilha para os pobres”. Artigo publicado no jornal espanhol El Pais em 29/11/2011. Disponível em http://www.ihu.unisinos.br/noticias/503902-o-euro-foi-uma-armadilha-para-os-pobres. (2) RIBEIRO, Fernando Pinto. “O fenômeno do Écoquatier na Europa: tendências do discurso sustentável na transformação do território” in Revista eletrônica Scripta Nova. Universidad de Barcelona. Vol XVIII. Num. 486 20 de agosto de 2014. Disponível em http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-486.htm. Publicado em 12/11/2015 no Portal Vitruvius http://www.vitruvius.com.br/revistas/search/arquiteturismo?query=Novos+Bairros+Al%C3%A9m+das+Portas+de+Paris+

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

BAIRRO SUSTENTAVEL DE HAMMARBY EM ESTOCOLMO

Quais seriam as condições necessárias para que um bairro ecológico como este pudesse existir em uma cidade brasileira? Precisaríamos alcançar o nível de desenvolvimento humano de Estocolmo/Suécia antes de pensar na viabilidade de áreas urbanas com essa qualidade no Brasil? Ou será que nas nossas "cidades partidas" e socioespacialmente segregadas, bairros ecológicos só seriam possíveis nas áreas de alta renda ou nos condomínios urbanos de luxo? Se respondermos sim na pergunta anterior, ainda nos perguntaríamos porque empreendimentos de luxo vendidos como se fossem sustentáveis tem muito mais marketing do que soluções efetivamente sustentáveis. Por exemplo, como definir como sustentável um condomínio de alta renda situado na periferia, que reforça a dependência do carro e o espraiamento insustentável da cidade? E seria sustentável um bairro dito ecológico, situado na área central de Brasília, mas ainda assim fortemente dependente do transporte individual e no qual a necessidade de vagas de garagem obriga a uma crescente ocupação do espaço publico de subsolo e as vias projetadas já estão fadadas a não suportar o volume de tráfego nas horas de pico? E o que dizer das periferias urbanas que nem ao menos têm a infraestrutura urbana básica de saneamento, como abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos, coleta de lixo, drenagem urbana, primeiros itens de sustentabilidade a serem atingidos? Além disso, não há espaços públicos de qualidade, áreas de lazer,calçadas decentes, arborização urbano, parques, etc. Será então que a sustentabilidade urbana ainda é uma meta muito longe de ser alcançada nas cidades brasileiras ou pode se pensar que mesmo as hoje sustentáveis e qualificadas cidades europeias, que já foram também muito insustentáveis em um passado não tão distante, conseguiram com boa gestão superar obstáculos e implantar bons projetos? Ou pensar que não é necessário usar somente o exemplo europeu, com uma realidade socio cultural bem diferente da nossa e buscar em cidades latino americanas, como Bogotá, experiências de sustentabilidade envolvendo qualificação de áreas de periferia e soluções eficientes de transporte público coletivo? Há muitos questionamentos e reflexões a ser fazer quando se pensa em sustentabilidade urbana e se constata que nem a desigualdade socioespacial nem as diferenças culturais com as sociedades mais ricas são razões suficientes para justificar a baixa qualidade dos espaços públicos e a insustentabilidade geral das cidades brasileiras.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

INJUSTIÇA AMERICANA

A palestra do aclamado e premiado crítico da revista The New Yorker , Paul Goldberger, no Seminário Arq.Futuro atraiu grandes nomes da arquitetura brasileira como Jorge Wilhein, Ruy Ohtake e Isay Weinfeld, dentre outros. E parece que eles concordam com os posicionamentos de Goldberger, principalmente quanto a necessidade de maior valorização dos espaços públicos urbanos e não somente de edifícios frutos de uma arquitetura cenográfica. Brasília, segundo ele teria dito, foi pensada mais para servir como um belo cenário do que para ser funcional (transcrição de trecho de reportagem do site Terra de 21/11/11). Não creio que Goldberger tenha sido justo com Brasília. A monumentalidade de Brasília não deve ser confundida com a deliberada cenografia de intervenções urbanas contemporâneas, destinada a promover o marketing urbano e a valorização imobiliária de áreas urbanas economicamente degradadas. Aqui o plano urbanístico de Lucio Costa e a arquitetura de Niemeyer se casam perfeitamente em um conjunto urbano magistral, reconhecido como patrimônio da humanidade. Reconhece-se, contudo, que os espaços públicos em Brasília têm sofrido com o descaso do poder público e da própria população. Uma das razões pode ser a concepção modernista de espaço público na qual extensas áreas verdes tornam a sua manutenção cara e o seu usufruto restrito e disperso. De fato, Brasília carece de espaços públicos mais constituídos como nas cidades mais densas e compactas, o que facilita o convívio social, os deslocamentos a pé e o uso dos transportes coletivos. Mas mesmo nessas cidades, de urbanismo mais tradicional, os espaços públicos também não têm recebido tratamento adequado, para ficar restrito ao caso brasileiro. Ao contrário, em cidades européias se percebe uma valorização dos espaços públicos urbanos (agora ameaçada pela crise), mas que está objetivamente ligada aos interesses turísticos e imobiliários. No Brasil, mesmo com Copa do Mundo e Olimpíadas, parece que nem o interesse econômico motiva investimentos do poder público e dos empresários. O traçado urbano de Brasília, portanto, não é a principal razão para a má qualidade dos seus espaços públicos. Mesmo que a morfologia urbana dispersa gere dificuldades para melhor qualificar e cuidar dos espaços públicos, parece ser a nossa cultura mais inclinada ao patrimonialismo do que ao coletivismo uma explicação mais apropriada para esta falência do espaço público nas cidades brasileiras e não só em Brasília. Publicado originalmente no Blog da Jornalista Conceição Freitas Link: http://www.dzai.com.br/blogdaconceicao/blog/blogdaconceicao?tv_pos_id=94300

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Brasília e Christopher Alexander

Comentário ao post sobre Christopher Alexander de Renato Saboya Não nasci em Brasília, mas vivo nessa cidade há 51 anos. Tive o privilégio de passar a infância na SQS 308, que é um modelo exemplar de superquadra inserida na única unidade de vizinhança completa implantada em Brasília. Comparando-a com outras áreas residenciais em cidades tradicionais no Brasil, que também conheci e morei durante algum tempo, posso dizer que não existe lugar mais aprazível e seguro para se viver a infância. Além disso, a unidade de vizinhança das SQS 308/108/307/107 proporcionava deslocamentos a pé e a curta distância para escolas (modelo de educação integral), comércio, posto de saúde, clube, cinema, biblioteca e outros equipamentos urbanos; possuía paisagismo projetado por Burle Marx e áreas de lazer de qualidade excepcional. Tinha tudo o que se reivindica hoje em dia para uma área urbana sustentável e tem sido previsto nas cartilhas do Novo Urbanismo. Certamente é uma das melhores e raras experiências do urbanismo moderno que deram certo no mundo, mas infelizmente é um modelo que não se repetiu em outras superquadras de Brasília e muito menos no urbanismo modernista que se reproduziu no DF.
Brasília tem qualidades urbanas inquestionáveis, mas é preciso reconhecer que também padece da maior parte dos males apontados por seus críticos, como alta dispersão urbana, excessiva dependência do transporte individual, rigidez no zoneamento e setorização, má qualidade dos espaços públicos, etc. As hierarquizadas estruturas em árvore descritas por Alexander estão presentes nas superquadras de Brasília e geram dificuldades para escoamento do trânsito dos veículos de uma população altamente motorizada e dificultam as conexões urbanas e as interações sociais, como apontado pelas análises da sintaxe espacial, para citar apenas dois dos problemas por elas gerados.
Contudo, se formos perguntar aos moradores do Plano Piloto de Brasília, se eles gostam da cidade (como sugere o comentário de Jose Priester), a maior parte provavelmente diria que sim e muito. Uma expressiva parte dos moradores de Brasília veio de outras cidades e apreendeu a se adaptar às vicissitudes do seu traçado e modo de vida urbana modernistas. Os que nasceram aqui talvez sejam mais enfáticos na sua declaração de amor à cidade. Pode se dizer, assim que as qualidades de Brasília superam seus defeitos. Ou talvez, como admitiu o próprio Lucio Costa, que os moradores de Brasília “tomaram conta daquilo que não foi concebido por eles” e não era uma “flor de estufa”, adaptando-a a uma vida urbana viva e mais próxima da realidade do que a que resultou da cidade-maquete planejada. Sérgio Ulisses Jatobá
Fonte:http://bentoviana.wordpress.com/2012/07/24/brasilia-vista-do-ceu-45/

domingo, 24 de outubro de 2010

ELEA BRASÍLIA 2010

ELEA 2010 ENCONTRO LATINO AMERICANO DE ESTUDANTES DE ARQUITETURA

Vídeo de divulgação do mais recente Encontro Latino Americano de Estudantes de Arquitetura, realizado em Brasília em outubro de 2010. O Vídeo é bem feito,tem um ritmo de clip com imagens interessantes da cidade, música de Lenine, Chico Science e uma revigorante atmosfera jovem que também se percebia no local do evento: uma verdadeira cidade de barracas de camping montada no Parque de Exposições da Granja do Torto. O Encontro reuniu 6000 estudantes de seis países latinoamericanos e teve uma intensa programação com oficinas, cursos, palestras e mesas redondas. Participei de uma delas, falando sobre planejamento urbano e meio ambiente para aqueles jovens e captei um pouco de toda aquela boa energia da juventude.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

BRASÍLIA EM 50 LINHAS



Céu de Brasília, traço do arquiteto, gosto tanto dela assim”.

“A cidade acalmou, hoje depois das dez, na janela a fria luz, da televisão divertindo as famílias... nada existe como o azul sem manchas do céu do Planalto Central e o horizonte imenso aberto sugerindo mil direções”.

“Mas da próxima vez que eu for a Brasília, eu trago uma flor do cerrado pra você”.


Uma cidade pode ser cantada em prosa, verso e notas musicais. O céu, a arquitetura, a delicada beleza das flores do cerrado fazem parte do imaginário de Brasília e inspiram poetas e cantores. Ultimamente, contudo, a cidade tem sido mais lembrada por fatos que inspiram mais indignação do que poesia. Destaco dois deles. Um, já bastante conhecido e comentado, é o da rede de corrupção que envolve seus políticos e governantes. O outro, uma experiência de uma ONG que simulou uma pesquisa em várias capitais do Brasil para ver a reação da população a lançamentos imobiliários absurdos que agrediam abertamente a legislação urbanística e ambiental. Nesta pesquisa, Brasília foi a capital com a maior porcentagem de pessoas entrevistadas que não questionou o projeto e até se dispôs a comprar o imóvel, mesmo sabendo, ou desconfiando, que este afrontava totalmente a lei e maculava um patrimônio da cidade, o Lago Paranoá. Sintomático, em uma cidade na qual a ocupação irregular de áreas se tornou uma prática comum a todas as classes sociais e o respeito ao espaço público e ao patrimônio coletivo um cuidado desprezado.

Em Brasília, a inventada beleza do concreto armado e do plano urbano se contrapõem à preexistente beleza da paisagem natural; o planejado se debate com o espontâneo, as artimanhas nefastas do poder convivem com a criatividade dos seus artistas; a opulência do luxo da parcela abastada da população se contrasta com a extrema pobreza dos habitantes da suas longíguas periferias. Nada mais parecido com o retrato do próprio Brasil. Brasília, ícone de uma modernidade desejada, exacerba contrastes que já existiam no Brasil arcaico e ainda persistem.

Aos 50 anos talvez Brasília não merecesse ser lembrada pelas mazelas dos maus políticos e maus cidadãos que aqui habitam ou só pousam temporariamente. Deve ser lembrada, sim, como a capital de uma esperança utópica construída pelo sonho de visionários que aqui vislumbraram a gênese de um projeto de urbanidade e modernidade brasileiras. Utopia e sonho que, as vezes, são indevidamente apropriados por demagogos de plantão, que criam imagens irreais da cidade para delas tirar proveito próprio.

Brasília deve ser lembrada por aqueles que a construíram, pelos que continuam a construí-la, por todos os brasilienses de nascença e adoção que transformaram a urbs concebida por inteiro no traço singelo de um arquiteto na civitas assumida, amada e apropriada por uma população que aqui busca construir uma identidade urbana.

A cidade acalmou hoje depois das dez, após a notícia de mais uma tragédia ou de um escândalo nacional e da novela que maqueia a vida para melhor vender ilusões. Mas nada existe como o azul que não se mancha do céu do Planalto Central e o horizonte imenso aberto, sugerindo outras direções. E eu, pensando em “outro sonho feliz de cidade” nem sei, como diz o poeta, “se foi bebedeira louca ou lucidez”.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

LÁ VEM A CIDADE


Eu vim plantar meu castelo
Naquela serra de lá,
Onde daqui a cem anos
Vai ser uma beira-mar...


A poesia fala por si mesmo. Tem o poder da síntese e de captar aquilo que, muitas vezes, demanda tempo e muitas palavras para ser formulado em teorias e estudos empíricos. Lenine e Bráulio Tavares são poetas-compositores visionários com licença poética para traduzir a realidade social e suas contradições em frases poético-musicais. “Lá Vem a Cidade”, música do último CD de Lenine, Labiata, descreve em versos uma visão delirante do caos urbano.

Vi a cidade passando,
Rugindo, através de mim...
Cada vida
Era uma batida
Dum imenso tamborim.
Eu era o lugar, ela era a viagem
Cada um era real, cada outro era miragem.
Uma cidade imaginária, como as cidades invisíveis de Calvino, da qual o poeta foge, instalando-se em seu castelo situado no alto de uma serra, de onde vê a cidade se alastrando e chegando pouco a pouco

Eu era transparente e era gigante
Eu era a cruza entre o sempre e o instante.
Letras misturadas com metal
E a cidade crescia como um animal,
Em estruturas postiças,
Sobre areias movediças,
Sobre ossadas e carniças,
Sobre o pântano que cobre o sambaqui...
Sobre o país ancestral
Sobre a folha do jornal
Sobre a cama de casal onde eu nasci.


Como um bicho ameaçador, a cidade amedronta, acua, mas também seduz e encanta. Sua grandeza atrai. Se traduz em beleza e caos. As teorias confirmam: riqueza se acumula onde já há riqueza e gente. E riqueza e gente atraem mais gente e riqueza. Mas como já poetizou Caetano, a força da grana ergue e destrói coisas belas.

A cidade
Passou me lavrando todo...
A cidade
Chegou me passou no rodo...
Passou como um caminhão
Passa através de um segundo
Quando desce a ladeira na banguela...
Veio com luzes e sons.
Com sonhos maus, sonhos bons.
Falava como um camões,
Gemia feito pantera.
Ela era...
Bela... fera.


Sonhos maus, sonhos bons. As pessoas migram do campo para a cidade e de cidades pequenas para cidades maiores em busca de seus sonhos e oportunidades. Mas se a cidade a alguns oferece emprego, consumo, educação, lazer e melhoria de vida, a muitos só oferece vida dura, desemprego ou sub-emprego, más condições de moradia, violência, frustação e solidão.

Desta cidade um dia só restará
O vento que levou meu verso embora...
Mas onde ele estiver, ela estará:
Um será o mundo de dentro,
Será o outro o mundo de fora.

Vi a cidade fervendo
Na emulsão da retina.
Crepitar de vida ardendo,
Mariposa e lamparina.
A cidade ensurdecia,
Rugia como um incêndio,
Era veneno e vacina...

O crescimento urbano, especialmente nos países mais pobres, se é sinal de maior dinamismo econômico, também vem acompanhado de problemas de difícil gestão. Metade da população do planeta já é urbana e estudos confirmam que é nos países pobres que a urbanização está ocorrendo de forma acelerada sem que os governos tenham condições de dar condições de vida digna à população.

Eu pairava no ar, e olhava a cidade
Passando veloz lá embaixo de mim.
Eram dez milhões de mentes,
Dez milhões de inconscientes,
Se misturam... viram entes...
Os quais conduzem as gentes
Como se fossem correntes
Dum rio que não tem fim?


Em 2050 haverá 3 bilhões de pessoas pobres no mundo vivendo em condições precárias nas cidades. Isto afetará ainda mais os problemas habitacionais, os serviços de saúde, educação e os transportes. A violência urbana aumentará e o meio ambiente será mais impactado. Os mais pobres serão mais afetados pelas enchentes, pelas secas e pelo frio intenso. Todos serão afetados pelo aquecimento global.

Esse ruído
São os séculos pingando...
E as cidades crescendo e se cruzando
Como círculos na água da lagoa.
E eu vi nuvens de poeira
E vi uma tribo inteira
Fugindo em toda carreira
Pisando em roça e fogueira
Ganhando uma ribanceira...
E a cidade vinha vindo,
A cidade vinha andando,
A cidade intumescendo:
Crescendo... se aproximando.


Lá vem a cidade e não há como detê-la. Como círculos na água da lagoa, as cidades se expandem e se adensam. Maior consumo de matérias primas e energia, maior emissão de poluentes, maior a temperatura da Terra. E enquanto as calotas polares derretem e o clima enloquece, as cidades crescem e são tomadas pelas águas e arrassadas pelos maremotos e terremotos. O sertão vira mar, o mar vira sertão. Como em Sodoma e Gomorra, aqueles que fogem se refugiam nos lugares altos e não podem olhar para trás sob pena de virarem estátuas de sal.

Eu vim plantar meu castelo
Naquela serra de lá,
Onde daqui a cem anos
Vai ser uma beira-mar...

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O RIO DA PRATA E A CIDADE CINZENTA


No país que tem a maior rivalidade futebolística com o Brasil um dos mais populares times de futebol se chama River Plate. No esporte de origem anglo-saxônica soava mais elegante assim em 1901, quando foi fundado o clube, do que Rio de la Plata. Diz a história (ou a lenda), contudo, que o nome surgiu quando os fundadores do clube viram marinheiros descarregando caixas no porto de Buenos Aires com a inscrição “The River Plate” e gostaram do nome. Os portos e o Rio da Prata marcam a geografia das duas capitais nacionais da bacia do Prata: Buenos Aires e Montevideo. Mas enquanto Buenos Aires é cosmopolita e transpira agitação, Montevideo em seu bonito e ao mesmo tempo deteriorado centro histórico é quase deprimente. É nela, contudo, que a presença do rio que mais parece um mar é mais marcante.

O Rio da Prata tem este nome em função das expedições que subiam o seu leito em busca de uma lendária Sierra de Plata no século XVI e deu nome a Argentina (Argentum). Na verdade é o estuário criado na junção dos rios Paraná e Uruguai que possui 48 km de extensão e 219 km de larguara no ponto em que suas águas se encontram com as do Oceano Atlântico, uma linha imaginária que vai de Punta de Leste no Uruguai até Punta Rasa na Argentina. O rio-mar do Prata é o contraponto ao sul de outro rio-mar ao norte do continente sulamericano: o Amazonas. As duas maiores bacias hidrográficas da América do Sul desaguam em pontos opostos do continente mas se encontram em um ponto no Planalto Central brasileiro, mas precisamente na Estação Ecológica de Águas Emendadas, que está situada no Distrito Federal. O nome da Estação Ecológica advem exatamente deste curioso e único fenômeno, que é o de coinciderem em um mesmo ponto as nascentes de dois pequenos córregos que seguem direções opostas, um para o sul indo se juntar aos rios da bacia do Paraná/Prata e o outro para o norte juntando-se aos rios formadores da bacia Amazônica.

De Águas Emendadas à foz do Rio da Prata são aproximadamente 3000 Km. No Planalto Central a modernidade de Brasília contrasta com o patrimônio histórico de Montevideo às margens do Prata. Na Ciudad Vieja (centro histórico) da capital uruguaia a beleza dos edifícios que outrora marcaram uma época de prosperidade econômica está ofuscada pela decadência e mau-trato dos espaços públicos. Boa parte da cidade de Montevideo se desenvolve ao longo das margens do Rio da Prata. A área na qual se situa o centro está localizada em uma das pontas da bacia de Montevideo e se assemelha a uma península, pois dali se pode acessar o rio tanto ao sul quanto ao norte. Portanto, o rio e porto estão mais ligados à cidade em Montevideo do que em Buenos Aires, embora a fama portenha esteja muito mais associada a esta última. O ar decadente do centro histórico de Montevideo lhe dá, contudo, um ar mais poético. Uma poesia com a melancolia portenha que se reforça com a presença do rio, que do mar não tem o tom esverdeado, mas possui o horizonte longínquo que transporta para longe a alma dos poetas.

Montevideo é a cidade de grandes poetas-escritores como Mario Benedetti e de grandes poetas-compositores como Jorge Drexler. Drexler tem uma canção que fala de seguir rio abaixo, a caminho do mar, atraído por uma força irresistível, que é ao mesmo tempo sua paixão e o próprio compositor ao encontro de si mesmo. Em outra canção chamada Montevideo o poeta-compositor de novo está a caminho do mar, deixando a cidade pensando em um dia voltar. Por fim, na sua canção mais conhecida, “ Al Otro Lado del Rio”, Drexler crê ter visto uma luz no outro lado do rio. Em Montevideo o rio é porto de chegada e porto de partida.

“...El mar que me trajo hasta aquí,
el puerto en que habré de zarpar,
un día pensando en volver,
un día volviendo a escapar”.

"Montevideo" por Jorge Drexler
Foto - Sérgio Jatobá - Rambla em Montevideo

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

BRASÍLIA E SUA CRESCENTE REDE DE INFLUÊNCIA

A mais recente versão do estudo “Regiões de Influência das Cidades” do IBGE – REGIC 2008, alçou Brasília à condição de metrópole nacional, atrás somente de São Paulo, classificada como a grande metrópole nacional, e de Rio de Janeiro, a outra metrópole nacional. A área que compõe a região de influência de Brasília abrange 298 municípios, uma superfície total de 1.760.734 Km2 e uma população de 9.680.621 habitantes, que a coloca a frente de outras nove metrópoles, que junto com São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília compõem o conjunto dos 12 centros urbanos mais influentes do pais.

A quarta versão da REGIC (as anteriores são de 1972, 1987 e 2000) confirma o que já vinha sendo apontado em outros estudos, que a influência de Brasília não se limita as cidades do Distrito Federal e aos municípios do seu entorno imediato, que compõem o que se convencionou chamar de Área Metropolitana de Brasília. A rede de influência de Brasília abrange municípios situados em Goiás e atinge cidades no noroeste de Minas e no oeste da Bahia, como Barreiras, classificada como capital regional C e Bom Jesus da Lapa, classificada como Centro Sub-regional B. Além disto, comanda, em conjunto com São Paulo, as redes de Cuiabá e Porto Velho, o que amplia em muito a sua área, que assim atinge Mato Grosso, Rondônia, Acre e pequena parcela do Amazonas.

O Estudo do IBGE destaca que apesar de estar situada na terceira posição de importância no país, a rede de Brasília ainda é pequena em relação às de São Paulo e Rio de Janeiro, representando 2,5% da população do País e 4,3% do PIB nacional. Entretanto tem algumas características que se destacam: tem o mais alto PIB per capita entre todas as redes (R$ 25.300,00) e concentra 72,7% da população e 90,3% do seu PIB no seu centro, ou seja, em Brasília. Isto evidencia o papel concentrador de renda e de população que Brasília exerce na sua região de influência. É se por um lado isto se deve a presença do governo federal aqui, cada vez mais a economia local se fortalece com o crescimento do setor empresarial, basicamente terciário. No entanto, é inegável que são os recursos do setor público que turbinam o dinamismo econômico da capital.

Outra pesquisa do IBGE divulgada recentemente confirma, com base em dados de 2006, que os servidores públicos detêm 65% da massa salarial no DF (este percentual era de 60% em 1996) embora representem atualmente só 40% do total de empregados. A pesquisa do Cadastro Central de Empresas (Cempre) informa que em 2006 foram pagos R$ 28,7 bilhões em salários no DF, o que equivale a 5,7% do volume total do país e representa mais do que a soma de todos os outros estados da Região Centro-Oeste. A média salarial do trabalhador brasiliense é de R$ 2.440,00, mais do que o dobro da média nacional que é de R$ 1.208,64. A alta renda dos brasilienses aliada aos serviços contratados e compras efetuadas pela administração pública federal e do DF à empresas daqui faz com que um considerável volume de recursos circule na economia local. E como riqueza atrai gente e mais riqueza, explica-se porque Brasília é um centro com influência crescente no país.

Mas se este poder de atração dinamiza a economia local e aumenta seu grau de influência, drenando mais recursos para o DF, também faz com que os serviços públicos aqui sejam mais pressionados. Um exemplo típico e já bastante conhecido é o da rede pública de saúde que atende gente que vem das mais diversas localidades da região de influência. Outros vêm para Brasília para trabalhar, estudar ou fazer compras. Tudo isto traz benefícios econômicos, mas também impacta os serviços públicos em geral, aumenta o número de veículos no trânsito, gera mais problemas de violência urbana. Talvez os impactos sejam maiores do que os benefícios porque a maior riqueza ainda é gerada dentro do próprio DF e a sua região de influência é em geral muito pobre. Alta renda e alta qualidade de vida e serviços públicos em relação à penúria deste entorno pobre são fatores que fazem com que Brasília continue atrair migrantes, mas que agora não mais conseguem se instalar dentro do Distrito Federal e fixam residência no Entorno. Este fenômeno aliado ao fato de que muita gente que morava no DF tem se mudado para cidades do Entorno fez com que o DF tem tido saldo migratório negativo nos últimos anos (fato que aliás também ocorreu em outros 14 estados brasileiros em 2006).

A crescente influência territorial do DF no país e a importância que sua área metropolitana vem adquirindo também revelam a acentuação da sua elitização e da segregação socioespacial que o caracteriza desde a sua origem. A população mais pobre já não consegue se instalar no interior do DF e a que está aqui vai sendo afastada para fora do seu quadrilátero na medida em que a a valorização do espaço urbano torna o preço de morar no DF impraticável para os que não têm renda suficiente para tal. Pode se dizer, então, que um proceso de gentrificação se estende dos núcleos centrais do DF para os núcleos na periferia do centro e assim por diante, pois todo o DF tende a se tornar um centro mais elitizado desta região de influência.

sábado, 23 de agosto de 2008

Cidades Médias e Metrópoles.



Está na mídia: as cidades médias e pequenas são as novas estrelas do desenvolvimento urbano brasileiro recente enquanto as metrópoles e as cidades com mais de 500 mil habitantes têm seus problemas urbanos acentuados. Estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) confirma que as cidades médias (100 a 500 mil habitantes) tiveram o maior crescimento populacional, entre 2000 e 2007, e o maior aumento do PIB (Produto Interno Bruno), entre 2002 e 2005 em comparação com as demais cidades brasileiras. O PIB per capita das cidades médias também subiu, evidenciando que não só houve crescimento da riqueza, como também melhoria na sua distribuição. Reportagens do Jornal O Estado de São Paulo, da TV Globo, além de outros meios de comunicação repercutiram os resultados do estudo e mostraram a prosperidade crescente nas cidades que despontam no interior do país. A revista Veja estampou em reportagem de capa na sua edição de 24 de julho de 2008, os oito motores que impulsionam a retomada do crescimento econômico brasileiro (soja, álcool, petróleo, carne, automóveis, mineração, indústria têxtil e portos) e o efeito que eles estão produzindo nas cidades de porte médio e pequeno que gravitam nas suas respectivas áreas de influência.

Já as cidades com mais de 500 mil habitantes e principalmente as grandes metrópoles têm freqüentado mais as páginas policiais dos jornais do que as de economia. As cidades com mais de 500 mil habitantes estão mal no aspecto social e perdem espaço no aspecto econômico. Sua participação no PIB nacional reduziu-se de 43,34% em 2002 para 41,70% em 2005. Na população total a redução percentual foi de 29,81% para 29,71%, segundo o mesmo estudo do IPEA. Estudo do Ministério do Planejamento, baseado em dados da PNAD 2001, 2002, 2003 e 2004, pesquisou 10 regiões metropolitanas (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo, Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Brasília ) e constatou que a participação delas no PIB nacional reduziu-se de 43,4% em 2001 para 41,04% em 2004, uma variação negativa de 5,45%.

Estudo mais recente, da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) apresenta um índice que refletiu a evolução socioeconômica dos municípios brasileiros de 2000 a 2005 e aponta que dos 100 municípios mais bem colocados no ranking elaborado, 82 têm menos de 300 mil habitantes, sendo que destes 42 têm menos de 100 mil habitantes. A pesquisa constata que as cidades pequenas e médias aparecem entre as que mais avanços tiveram nos indicadores de saúde, educação e renda. Apesar da maior parte dos municípios mais bem colocados se localizar no Estado de São Paulo, o que indica ainda uma concentração do desenvolvimento na parte sul do país, há claros indícios de melhora em municípios do Nordeste e um considerável avanço dos indicadores socioeconômicos nos municípios do Centro-Oeste. Comparando-se os mapas de 2000 e 2005 do IFDM- Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (ver figuras acima - Fonte: Firjan/IFDM) é possível perceber o deslocamento do desenvolvimento em uma grande mancha que avança do Sul para o Centro-Oeste e depois se bifurca em duas direções, uma em direção à Rondônia e a outra em direção à Belém. Não coincidentemente estas duas manchas menores estão nos eixos das rodovias Brasília-Acre / Cuiabá-Santarém e Belém-Brasília, abertas no governo JK e propostas no seu Plano de Metas como os principais eixos de interiorização do desenvolvimento.

Tudo isto indica que algo está mudando no quadro urbano brasileiro. Melhor dizer que mudanças que já vinham sendo observadas desde a década de 1970/80, se acentuaram nos últimos anos e tendem a modificar a configuração da rede urbana brasileira, destacando novos eixos e pólos de crescimento urbano. As metrópoles ainda concentram a maior parte da riqueza e da população, mas também estão na frente quando se trata de elencar os principais problemas urbanos. O desenvolvimento se desconcentra e se desloca, realizando, enfim, a idéia da interiorização do país, pensada há 292 anos, quando primeiro se propôs a mudança da capital federal para o interior do país. Brasília, plantada no meio do Planalto Central e deslocada do eixo econômico e urbano do litoral, foi a mais forte manifestação da intenção política de expansão da fronteira do desenvolvimento nacional que se fortalece atualmente.

P.S – Espero comentários. O tema é vasto e controverso e exigiria, a rigor, um tratamento mais acadêmico. Minha intenção, no entanto, é mais informativa e por isso a abordagem é tipicamente jornalística. As idéias, contudo, estão aí para serem debatidas, refutadas, complementadas ou apoiadas.

terça-feira, 15 de julho de 2008

DISPERSÃO URBANA I


A dispersão urbana tem sido tema de vários estudos e da preocupação de urbanistas e pesquisadores do crescimento das cidades. Entende-se como dispersão urbana ou urban sprawl, na sua designação original em inglês, a expansão horizontalizada e não compacta do tecido urbano criando o que alguns pesquisadores costumam chamar de cidade difusa ou dispersa. Oriel Bohigas, um dos mais renomados urbanistas espanhóis, comentando estudo coordenado pelo pesquisador Francesco Indovina, afirma que a dispersão urbana “se tornou um vírus mortal para a essência social da cidade”. Bohigas se pergunta porque a tradição da cidade compacta deu lugar a uma tendência cada vez mais acentuada de expansão horizontalizada das cidades, com altos custos ambientais, de fluxos circulatórios (principalmente transporte público) e de provisão de infra-estruturas e de serviços urbanos. Acrescenta que, sobretudo, tem se perdido os valores sociais da urbanidade e se eliminado as bases coletivas e coesionadoras da cidade. A cidade difusa/dispersa é ambientalmente insustentável e economicamente perdulária. Por que então este modelo se reproduz com uma intensidade crescente desde há 50 anos atrás ?

Indovina, que publicou Cidade Difusa, obra de referência sobre o tema, não se restringe aos aspectos inerentes ao desenho urbano para explicar a dispersão urbana, a qual define como sendo decorrente do seguinte circuito: O desenvolvimento econômico (industrial) das cidades levou às migrações rural-urbanas, consequentemente ao crescimento das densidades, ao aumento dos preços imobiliários e à predisposição do campo para urbanizar-se progresivamente, criando um círculo vicioso que transformou o território de uma forma irreversível. Bohigas acrescenta a estes elementos “próprios de um crescimento no auge de uma transformação produtiva” outros fatores como: “as mudanças nos modos de vida, a mitologia da segunda residência, a avassalante especulação territorial, as facilidades de um transporte aparentemente rápido, o populismo político que acaba por disponibilizar infra-estruturas aparentemente urbanizadoras, as necessidades de grandes superfícies produtivas, que só são possíveis nos espaços urbanos extramuros ou a impossibilidade de que a indústria fracionada absorva os custos especulativos do solo nas áreas mais centrais”.

Lefebvre e outros pensadores marxista e neomarxistas do fenômeno urbano poderiam explicar a dispersão urbana a partir dos mecanismos da produção social do espaço. Em sua clássica obra “ O Direito à Cidade”, Lefebvre, a partir de uma reflexão crítica dos processos simultâneos da urbanização e industrialização relaciona o funcionalismo preconizado pelo CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna) com o desaparecimento da vida urbana e o crescimento urbano disperso dos bairros dormitórios da periferia das grandes cidades. Nos novos conjuntos habitacionais propostos pelo urbanismo funcionalista de Le Corbusier e seus seguidores o conceito de habitat exclui o conceito de habitar, próprio da cidade tradicional. Nas cidades contemporâneas é possível observar que a vida urbana e a riqueza dos espaços públicos vão escasseando e o tecido urbano vai perdendo coesão a medida em que se percorre o caminho do centro urbano tradicional até às urbanizações periféricas.

Pode se especular que a cidade difusa é uma filha não reconhecida das “cidades-jardim” e do urbanismo moderno. Embora este último se apresente como oposição às idéias difundidas pelos defensores das “garden-cities”, há mais coisa em comum entre estas duas correntes urbanísticas do que fazem supor suas diferenças conceituais. O ideal higienista, que identifica a cidade tradicional da sociedade industrial do século XIX como suja e insalubre tanto inspira a implantação de bairros de baixa densidade em áreas suburbanas como os conjuntos residencias de alta densidade e grandes espaços vazios entre eles. A combinação destes dois modelos urbanísticos pode ser observada em várias cidades modernas e Brasília é um exemplo disto.

A urbanista Anamaria de Aragão Costa Martins em interessante pesquisa sobre novos pólos territoriais motivados pela dispersão urbana no Distrito Federal, publicada na revista eletrônica Vitruvius, conclui que “no Distrito Federal incentivou-se o modelo de ocupação extensiva do solo, como solução à frágil estrutura ambiental” e também em função da adoção do modelo da cidade-jardim, incorporado ao planejamento urbano de Brasília na forma de cidade-parque. A pesquisadora pode observar na análise da estrutura urbana do Distrito Federal, a conformação de novos espaços territoriais ao longo das rodovias que ligam o centro (Plano Piloto) aos polos urbanos dispersos no território (cidades satélites). Desta forma, diz ela, o modelo de cidade-parque adotado em Brasília no intuito de desafogar o centro e melhorar a qualidade de vida urbana, redundou em uma “urbanização progressiva do território de forma contínua ao longo das infra-estruturas de conexão e dos pontos de intersecção entre áreas suburbanas, cada vez mais dissociadas dos núcleos urbanos consolidados”. Ou seja, a cidade difusa resultante, além de frustar as expectativas de uma cidade-parque, gerou uma estrutura urbana pouco coesa, problemática para o transporte e dispendiosa quanto à implantação e manutenção de infra-estruturas.

O sociólogo Ricardo Ojima, pesquisador do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), publicou em 2007 um artigo, que tem sido bastante comentado, no qual propõe a construção de indicador de dispersão urbana para aglomerações urbanas no Brasil. Com base na pesquisa Características e Tendências da Rede Urbana no Brasil (IPEA/IBGE/UNICAMP, 2000) selecionou 37 aglomerações urbanas para construir um ranking da dispersão urbana. O índice sintetiza indicadores em quatro dimensões espaciais: densidade, fragmentação, orientação e centralidade.

Brasília, (entendida como a Aglomeração Urbana de Brasília, que engloba o DF e cidades do Entorno) classificou-se em 6º lugar no índice síntético de dispersão urbana, mas foi a primeira no indicador de fragmentação. Embora Ojima não tenha estabelecido pesos diferenciados para cada uma das quatro dimensões, o indicador de fragmentação é destacado pelo próprio autor como o fator mais característico da dispersão urbana depois da densidade urbana. Entretanto a densidade, indicador comumente utilizado para quantificar a dispersão, não mede a razão entre áreas urbanizadas e áreas não urbanizadas. Ou seja, se duas cidades tem uma mesma população distribuída em uma mesma área elas terão densidade idêntica, mas a maneira como esta população está distribuída no terrítorio pode variar de uma forma mais compacta/monocêntrica até uma forma mais dispersa/policêntrica. Brasília, portanto, considerado este critério, é a cidade mais fragmentada dentre as aglomerações selecionadas, apresentando aquilo que se convencionou chamar de uma urbanização em saltos (leapfrog development), que está associada à separação física dos núcleos urbanos em uma mesma aglomeração e “pode ser entendida como parte de um processo de desconexão dos espaços de vida cotidianos dentro das aglomerações”. O estudo de Ojima confirma uma característica da Aglomeração Urbana de Brasília que pode ser visualmente constatada observando-se um mapa do seu território, a qual condiciona uma série de problemas típicos de cidades muito difusas. Mas este é um assunto a ser melhor explorado em um próximo texto.

Figura: Mapa das tendências de ocupação territorial no Distrito Federal mostrando os principais eixos de ocupação e núcleos urbanos (Fonte PDOT 1997) clique na imagem para visualizá-la melhor

terça-feira, 20 de maio de 2008

O TOMBAMENTO DA BACIA DO PARANOÁ


Reportagem publicada no jornal Correio Brazilense em 07/05/08 comenta a proposta de criação da Zona de Proteção do Conjunto Urbanístico de Brasília. Trata-se, na verdade, de uma zona de amortecimento no entorno imediato da Área Tombada do Plano Piloto, o que significa ampliar os limites da Área de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília incluindo nela toda a Bacia do Paranoá. A idéia não é nova. A preocupação daqueles que lutaram pelo tombamento de Brasília já se estendia além do Plano Piloto e abarcava toda a Bacia do Paranoá, pois entendia-se que esta deveria estar livre de outras ocupações urbanas que não fossem o Plano Piloto e os demais núcleos já existentes àquela época, como Cruzeiro, Núcleo Bandeirante, Candangolândia, Guará, os Lagos Sul e Norte, Park Way e a Vila Planalto.Pode se dizer, inclusive, que remonta à ocupação inicial do DF, razão pela qual as primeiras cidades satélites foram localizadas propositalmente fora da Bacia do Paranoá e distantes do Plano Piloto. A principal justificativa era a capacidade de suporte da Bacia e a limitação do Lago Paranoá para receber o esgotamento sanitário de novos núcleos urbanos. A necessidade de preservação de um cinturão verde em torno do Plano Piloto e mesmo razões de segurança eram outras justificativas alegadas para o não adensamento urbano da Bacia do Paranoá.

Estabeleceu-se, então, um consenso de não ocupação da Bacia, que o primeiro Plano de Ordenamento Territorial do DF, ainda denominado PEOT – Plano Estruturador de Organização Territorial, de 1977, referendou quando propôs que todo o crescimento urbano de Brasília ocorresse na porção sudoeste do DF, basicamente no eixo entre Taguatinga e Gama. Pois bem, este pacto foi quebrado em 1985, justamente por Lúcio Costa, quando este apresentou o seu “Brasília Revisitada”, que propunha novas áreas de adensamento na Bacia do Paranoá. Daí nasceram as Quadras Econômicas Lúcio Costa, os novos bairros do Sudoeste, o ainda em implantação Taquari e o prestes a ser implantado Noroeste, além da regularização das Vilas Planalto e Telebrasília. Na medida em que foi dado o pontapé inicial pelo próprio criador do Plano Piloto e resolvido o impedimento ambiental com a implantação do bem sucedido Programa de Despoluição do Lago Paranoá, deixaram de existir as razões para o não adensamento da Bacia do Paranoá. Em seguida surgiram Águas Claras, para viabilizar o metrô, Riacho Fundo, novas áreas quadras residenciais no Guará e as ocupações informais de Vicente Pires e Estrutural. Estas últimas se impuseram à revelia do planejamento, mas em áreas onde já haviam indícios claros de pressões para a urbanização. O projeto do Bairro Catetinho, objeto de discussões recentes, completa a lista das novas áreas urbanas a serem implantadas e já implantadas na Bacia do Paranoá.

Vê-se, portanto, que a proposta de criação da Zona de Proteção do Conjunto Urbanístico de Brasília pode se tornar inócua, ou muito limitada, considerando que a Bacia do Paranoá, a exceção do Parque Nacional, da Estação Ecológica do Jardim Botânico, da Reserva Ecológica do IBGE e de outras poucas unidades de conservação de uso restrito, já está totalmente ocupada por áreas urbanas. Apesar disto, a proposta parece ter o apoio de vários segmentos da sociedade, desde o Iphan até o Conselho Regional dos Consultores de Imóveis, passando por ambientalistas e urbanistas preocupados em manter a qualidade ambiental urbana de Brasília. Para os defensores do padrão urbanístico do Plano Piloto, a proposta faz sentido em função de ainda poder conter futuros adensamentos na Bacia do Paranoá. Para os corretores de imóveis também faz, mas por outra razão. Nas palavras do presidente do conselho regional da categoria, “a preservação ambiental e das características de Brasília significa a valorização dos imóveis e a manutenção da qualidade de vida, por isso temos um dos metros quadrados mais caros do país”. As razões destes dois segmentos parecem coincidir quanto à necessidade de preservar a qualidade de vida urbana, mas contêm uma contradição. Estabelecida a contenção urbana na Bacia do Paranoá haverá mais qualidade ambiental urbana ou, pelo menos, um freio na sua deterioração, decorrência inevitável de um crescimento urbano a cada dia mais intenso. Mas também é certo que haverá uma certa elitização da sua ocupação aumentando o preço dos imóveis, como já ocorre no Plano Piloto. A valorização imobiliária, no entanto, faz com que o mercado, tanto do lado dos empreendedores quanto dos consumidores, pressione o Estado para a liberação de mais áreas para adensamento urbano, o que contraria o discurso da preservação da Bacia do Paranoá. Desta forma, embora pareça que todos defendam a contenção urbana na Bacia do Paranoá esta intenção não deve prevalecer sobre os interesses imobiliários e da política urbana.

Tome-se, como exemplo, a recente discussão sobre a implantação de novas quadras no Sudoeste em terreno que pertencia à Marinha e foi alienado para uma construtora. Os moradores do Sudoeste são contra, obviamente não querem que novos adensamentos reduzam a qualidade de vida no bairro e citam a pressão sobre as infra-estruturas viárias (com o consequente agravamento do caos no trânsito) e de saneamento como impedimento. O Iphan, no entanto, manifestou-se favoravelmente e alega que as novas quadras não contrariam o Brasília Revisitada. O GDF diz que a saturação da infra-estrutura não é problema e há viabilidade para ampliações das redes de água, esgoto, drenagem e no sistema viário. A Marinha parece satisfeita pois resolverá, com a transação imobiliária, o problema de moradia funcional de seus servidores. O setor imobiliário mais ainda e espera lucros fabulosos. Gente que quer morar no Sudoeste e ainda não conseguiu comprar seu imóvel também aguarda as novas ofertas imobiliárias, que pela lógica econômica, que nem sempre se cumpre, ajudariam até a baixar os altos preços dos imóveis. Como se vê, a questão é mais complicada do que parece e no jogo dos interesses urbanísticos costumam prevalecer as pressões para o adensamento urbano. A Bacia do Paranoá, portanto, dificilmente conseguirá resistir às pressões para a ampliação de sua ocupação urbana, e a proposta da Zona de Proteção do Conjunto Urbanístico de Brasília, infelizmente, pode estar fadada ao fracasso ou, se aprovada um dia, já não surtir muito efeito.